Dois dos
maiores mitos literários brasileiros do século XX, João Guimarães Rosa e
Monteiro Lobato, são os personagens centrais de O Visitante. Às vésperas
de entregar os originais de Sagarana, seu livro de estreia, para a
Editora Universal em 1945, João Guimarães Rosa aceita o convite do escritor
Monteiro Lobato para uma visita em sua residência na capital paulista.
O caminho percorrido por Rosa no
bairro da Aclimação e sua chegada à residência do consagrado escritor é a cena
inaugural deste fascinante romance. Utilizando o preceito da mímese literária,
a história traça um paralelo fantástico entre ficção e realidade que, de
pergunta em pergunta, de lição em lição, o leitor é convidado a participar do
encontro ao lado dos escritores, que expõem suas visões literárias e
filosóficas, discussões sobre a linguagem e os rumos da ciência.
Lucciani M. Furtado nos oferece
uma trama que se passa num dia na vida dos dois intelectuais. Lobato, em
novembro, quando está recuperando-se de uma agressiva e delicada cirurgia
pulmonar em casa, desiludido com a classe política brasileira, prepara-se para
exilar-se na Argentina. Guimarães Rosa, com 37 anos, procura construir seus
contos, em seu dizer, “de uma maneira poética, penetrando através das
aparências até o miolo das coisas”. Um ano antes, vindo de Bogotá a serviço da
embaixada e assumindo uma nova função no Itamaraty, busca a retomada de sua
literatura. Ainda sob o impacto dos acontecimentos presenciados na Alemanha,
Rosa sente os sintomas de uma crise existencial.
Lobato é um amargurado diante
das desilusões que sofria. É nas palavras dirigidas ao aspirante contista
Guimarães Rosa que
desabafa todo seu inconformismo sobre o recente painel político
nacional: “Crise econômica, crise financeira, crise da mentira oficial ao
choque da verdade – crise de tudo. É a maior por que já passou este país de
Álvares Cabral. Crise tão grande que ninguém pode, em boa consciência, prever o
que sobrevirá. Nem Nostradamus...”. É durante a visita que ambos os personagens
expõem sua mais íntima e profunda identidade. O Visitante nos oferece
uma trama focada apenas nas vozes de Rosa e Lobato, dando um sabor todo
especial ao texto. Os dois têm em comum o sentimento de não-pertinência ao
mundo cotidiano, expondo através de seus olhares, suas vivências como
personagens ativos no cenário nacional e internacional, nos acontecimentos
marcantes da primeira metade do século XX, como os rumos da Segunda Guerra
Mundial, a corrida atômica e o avanço das pesquisas científico-filosóficas, que
tiveram seu ápice nas quatro décadas finais do século XX e no princípio deste
século. Os paradigmas deste diálogo se encaminharão no desenlace atual, que
chamamos de pós-modernidade.
Lucciani M. Furtado é mestre em
Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro e especialista em Literatura, Memória Cultural e Sociedade pelo
Instituto Federal Fluminense. Professor e pesquisador, atua nas áreas:
educacional, histórica e antropológica. Desenvolve pesquisa voltada para a
preservação do acervo documental referente aos escritores Monteiro Lobato e
Godofredo Rangel.